domingo, 30 de junho de 2013

Valentinous Velhinho – Adeus Loucura Adeus (A Nação)

Valentinous Velhinho – Adeus Loucura Adeus
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 188, 7 de abril de 2011, p. 10.
Ultrapassar os limites da linguagem poética por uma dicção própria dentro do panorama literário cabo-verdiano, originalidade caracterizada por uma linguagem rebuscada, por metáforas insólitas e surreais, por figuras como o paradoxo, a inversão e a ironia que perpassam as diferentes experimentações estético-formais sempre atingidas com excelência por Valentinous Velhinho em longos poemas de versos livres ou na concisão de dísticos e tercetos, também em sonetos.
Em seu 2º livro de poesia, “Adeus Loucura Adeus”, lançado pela edições Artiletra em 1997, Valentinous Velhinho desvela a expansão de seu mundo poético que possui “no quarto as quatro estações/ E não as quatro paredes” metamoforseadas para a “Morte, a Solidão, a Loucura, o Desespero”, temas que são trabalhados à exaustão e com resultados surpreendentes, para além da incessante recriação de temas bíblicos e da exploração criativa de cânones da cultura ocidental, de Nietzsche a Sísifo, passando por Lautréamont e Fernando Pessoa.
“O poeta e a sua língua de fogo” faz do inusitado a matéria para a tessitura poética, principalmente no que diz respeito à Morte, tratada com obsessão: “Eu quero a morte, a minha primeira viagem a sós”. Desejo motivado diante de uma percepção do real desarranjado em que vive: “e a realidade em suma/ é, por isso sòmente, mais bastarda e cada vez mais nenhuma”, encorajando-o a redimensionar o labiríntico mundo que se encontra: “Sim, a chave do labirinto a entrada é./ E a sombra uma saída para dentro./ Ao pé do labirinto gira à toa o mundo,/ Pois que o labirinto já aqui é outro mundo”.
Como “o poeta não faz nada em vão”, as indagações ontológicas e metafísicas são permanentes, instala-se a crise do ser perante a impossibilidade de respostas: “E um homem (um homem/ Entre si e o estar sozinho) pensa./ Os olhares que às coisas deita,/ Olhares tão fixos, não o sabe ele,/ São afinal os seus monólogos, compreendê-lo. (...)/ Às suas dúvidas se atiram os ombros./ As suas dúvidas tantas, para nada!” Condição que leva o sujeito lírico ao desespero e torna o suicídio uma opção viável: “Se te assaltar a meio da noite/ Uma razão qualquer// Um minuto depois, já pensado e re/ Pensado o assunto, podes então dar/ Cabo da vida, um minuto depois, que,/ Mais do que esse tempo, é dar/ Importância à vida, ao mundo – e,/ Quem sabe a ti próprio! – se te assaltar/ A meio da noite, a meio da noite, uma razão!”
A releitura peculiar dos temas bíblicos é uma característica marcante na sua poesia, ousadia a serviço do insólito frente aos dogmas católicos: “Não para que a separasse da treva/ Mas para que a apartasse/ Do seu espírito movendo sobre/ A face das águas é que Deus fez a luz./ É para que esta lhe parecesse sua,/ Definitivamente sua,/ Apagou-a só para ter esse prazer./ Foi na treva que Deus se descansou./ Na treva e sùbitamente”.
Um tanto distante dos temas que consagraram a poesia cabo-verdiana, o sujeito lírico subverte o terra-longismo enquadrando-o ao insólito, comum à sua poesia: “Ia-me narrando maravilhas./ Nessa tarde, lembro-me,/ Falou-me de uma terra longínqua./ Na última estação/ A seca fora a mais desesperadora./ Um teimoso homem de campo,/ De boné à cabeça íngreme,/ Chegara a ponto de esconder na terra,/ Como se de um mijo se tratasse,/ O chuvisco que tombara – o próprio”.
Valentinous Velhinho, heterónimo de Valdemar Valentino Velhinho Rodrigues, possui uma poesia surpreendente, virulenta e de imagens inusitadas, pelo espanto da reformulação de significantes em uma linguagem surreal, por vezes paradoxal, de um poeta que vivencia a própria insularidade dentro do panorama literário cabo-verdiano, configurando-se como um dos seus mais criativos artífices. “Adeus Loucura Adeus” confirma a excelência do poeta.

“Francamente. Não sei como seguir com estes versos,/ Nem o sabe o coração, este pobre sopro da alma./ Ao menos carregasse o espírito uma só interrogação minha./ Ao menos a alma me envolvesse com um aceno de despedida.”

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