sexta-feira, 22 de junho de 2012

Lande Onawale - Kalunga: poemas do mar sem fim (resenha)

Mais uma contribuição para o blog fazendo circular nossos afro-rizomas. Abaixo, resenha de Valéria Lourenço, graduada em Letras (UFRRJ), para o livro Kalunga: poemas do mar sem fim, de Lande Onawale.
Ricardo Riso 

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ONAWALE, Lande. Kalunga: poemas de um mar sem fim = Kalunga: poems of na infinite sea. Salvador: Edição do autor, 2011.

O Atlântico. Oceano personificado, mar, morte, kalunga. Não saberemos nunca precisar quantas foram as vidas tragadas por esse oceano a nos separar: Brasil e África. Nações-irmãs com sangue manchando nossa travessia. Mas do fundo das águas emergem as vozes, nos chegam as memórias de um povo-irmão. As vozes ecoam na poesia de Lande Onawale, como vimos no poema “Ancestral”:
“em mim falam vozes ancestrais,
que conversam mais
se calo,
ou a alma silencia (...)”
O baiano, que tem publicado diversos contos e poemas traz em Kalunga: poemas de um mar sem fim, um sujeito extremamente inquieto como nos versos de “Único”:

“...e este punhal
cravado
no lado
esquerdo
do meu peito
é o único que aceito
sem ele
nem sei
viver direito...”

A utilização do verbo cravar diversas vezes ao longo do livro traz o caráter e a necessidade de penetrar suas palavras profundamente em nossas almas, e isso é feito sem grandes esforços.

“A memória do mar me atravessa...
está cravada em mim (...)” (Kalunga)

“Cravamos um sol
bem no meio do outono!” (Z de maio)

“...e este punhal cravado no lado esquerdo (...)” (Ùnico)

Mas Lande não nos remete somente aos mares de Brasil, África e seus ancestres. Em “Fissura nuclear (Fukushima)” há o relato do acidente natural ocorrido no Japão em 2011:

“a fúria do núcleo da terra
seguiu-se a fúria do núcleo
de um milésimo grão de areia
(...)
- a ciência não tem um plano “b””

E a crítica social está presente em “Canarinhas da Vila”, poema que abre o livro, onde o poeta se pergunta o que sua poesia pode fazer contra toda a violência que vivenciamos dia-a-dia.

“o que pode minha poesia contra isso:
três jovens assassinadas lado a lado?”

A resposta ao autor vem de um texto de Laura Padilha intitulado “A palavra africana e as memórias antigas”:

 “Quem põe a palavra em circulação, ascende a um nível de poder maior e intervém no real, quase sempre com um impulso de modificá-lo, dada a força cosmogônica da palavra que faz circular.”

E Lande consegue nos trazer reflexões, intervir no cotidiano, chocar e sacudir-nos, somente com a força de suas palavras.

Kalunga: poemas de um mar sem fim, edição bilíngue, em português e inglês, tem, nos 21 poemas que o compõem, um grito de dor, uma necessidade de se fazer ouvir, poemas para serem declamados inflamando multidões. Essa poesia não pode ser lida em voz baixa ou ficar guardada na gaveta. Afinal, as vozes que a ilustram esperaram durante séculos para serem ouvidas e Lande faz essa tradução para nossa língua muito bem.

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* cravada, cravamos e cravado: grifo nosso

Referência bibliográfica
PADILHA, Laura. “A palavra africana e as memórias antigas” in Educação, arte e literatura africana de língua portuguesa: contribuições para a discussão da questão racial na escola. Org. Maria Alice Rezende Gonçalves. Rio de Janeiro: Quartet: NEAB-UERJ, 2007.

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