sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves

Recomendo a leitura deste excelente texto de Ana Maria Gonçalves que desmascara a democracia racial brasileira e tem a propriedade de desconstruir mais um cânone literário brasileiro, apresentando a opção declaradamente racista de sua obra.


Ricardo Riso




Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves



Caro Ziraldo,
Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?" e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobatoque, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).
Para ler o restante do texto, clique aqui.

4 comentários:

Pandora disse...

E o que irrita é que ainda assim quando vc fala que não gosta de Monteiro Lobato vc tem que tecer uma enorme teia discursiva... A mim seria necessário muita falta de amor próprio aplaudir tal criatura, mas isso é pq faço parte dessa massa que vai e vem do suburbio ao centro todos os dias até hoje, o que massa essa que o senhor Ziraldo não compõe por isso não pode entender!

Wanasema disse...

Olá, Pandora! É uma provocação do Ziraldo e comum a todos aqueles que insistem na afirmação de que não há racismo neste país, né?
É deprimente ainda discutirmos se Monteiro Lobato é ou não racista, se o seu texto é ou não racista. Penso que, nesse sentido, as declarações da Ana Maria Gonçalves foram de uma felicidade extrema, assim como as demonstrações de como o texto do Ziraldo também contribui para a perpetuação do racismo neste país, ao atacar a resignação da qual nós temos que assumir. Desconstruir os cânones literários brasileiros é o melhor que podemos fazer.
Muito obrigado pelo comentário.
Abraços!

Vanice da Mata disse...

Ricardo, posta isso no Correio Nagô, urgente, mano!
Abçs
Van

Helton Fesan disse...

Realmente não dá pra parar a militancia... Já tá no Uni Fesanico tb.
Valeu...