terça-feira, 29 de abril de 2008

José Eduardo Agualusa: Funções do Mito em "O Filho do Vento"

A presente análise baseou-se no conto infantil “O filho do vento”, de José Eduardo Agualusa (Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006), para apresentar como o mito, metaforicamente, explica fenômenos naturais, sentimentos humanos e atua como modelador de conduta social.

O autor, José Eduardo Agualusa, é angolano e um dos grandes destaques das literaturas africanas de língua portuguesa contemporânea. Já participou de duas edições da FLIP (Festa Literária de Paraty); é consultor editorial da Língua Geral, editora voltada apenas para autores de língua portuguesa; e publicou, entre outros romances, “Nação Crioula”, “As mulheres do meu pai” e “O ano em que Zumbi tomou o Rio de Janeiro”.

Agualusa inspirou-se na tradição oral dos bosquímanos (homens do bosque), etnia do sul de Angola também conhecida como Koi-san, e apropriou-se da lenda “O filho do vento”, para criar o seu conto infantil.

A tradição oral é de suma importância em uma cultura ágrafa, pois é através dela que os ensinamentos culturais são passados para as crianças de determinado grupo social, em um aprendizado constante no cotidiano. Nas sociedades africanas, o respeito à ancestralidade se dá pela transmissão oral dos conhecimentos, principalmente pelos anciãos da aldeia, ou um griot, contador de histórias e conhecedor das tradições locais. Segundo Nei Lopes:

“A transmissão oral do conhecimento é o veículo do poder e da força das palavras, que permanecem sem efeito em um texto escrito, (...) o Verbo Atuante, tem o valor de uma iniciação, que não está no nível da compreensão, porém na dinâmica do comportamento. Essa iniciação é baseada em reflexos que operam no raciocínio e que são induzidos por impulsos nascidos no fundamento cultural da sociedade.” (LOPES, 2005, p. 31)

“O filho do vento” narra a história de um menino, chamado Nakati, que desejava saber o nome do filho do vento. Porém, este nome era um segredo e jamais deveria ser pronunciado. Mas, de tanto insistir para que sua mãe o dissesse ele acabou conseguindo saber:

“– Está bem, concordou. Digo-te como ele se chama mas só podes chamá-lo com esse nome depois que o teu pai terminar de reforçar as paredes da nossa cabana. E disse-lhe ao ouvido, num sopro tímido: Kuan-Kuan Gau Baubu-Ti.” (AGUALUSA, 2006, pp. 9-10)

Nakati, inquieto como só ele, não atendendo a recomendação de sua mãe, rapidamente chamou pelo nome verdadeiro o filho do vento, assim que o encontrou. Com isso, logo “se erguia um redemoinho de poeira.” (AGUALUSA, 2006, p. 12) O narrador explica o que aconteceu a partir daí:

“O redemoinho cresceu, engrossou, um vento áspero e raso começou a soprar, não dando tempo às pessoas para se protegerem. Instantes depois não havia uma única cabana de pé sobre a imensa planície. Por isso quando venta dessa maneira nós dizemos que o vento está tombado. Quando o vento está de pé não sopra assim.” (AGUALUSA, 2006, p. 14)

Após o acontecido Kuan-Kuan passou a achar que os homens não gostavam mais dele. Ficou arredio, toda vez que se sentia ameaçado tornava-se um pássaro e fugia. Até que “um dia voou, voou, e não voltou mais” (AGUALUSA, 2006, p. 18).

Dessa maneira, tenta-se explicar através do mito, um fenômeno natural, e, ao mesmo tempo, há uma lição moral, pois a aldeia foi penalizada por que uma criança desrespeitou uma recomendação da própria mãe.

No decorrer da narrativa é contado como as estrelas surgiram no céu, a importância delas para os bosquímanos e constatamos a transmissão de conhecimento oral:

“Agora vou dizer-vos como o vazio se iluminou de estrelas para que os koi-san possam orientar-se, mesmo depois que o sol se aninha no chão. Foi a minha mãe quem me contou isto: certa noite, era muito escuro, uma menina afundou os dedos na cinza ainda quente de uma fogueira e atirou-a ao céu. Foi assim que as estrelas se formaram. As estrelas brilham com suavidade porque são feitas de cinza morna. (...)”(AGUALUSA, 2006, p. 19)

Um belo dia, Kuan-Kuan descansava em um morro, uma mulher apresentou-se a ele e disse que ele parecia um pássaro que já foi homem:

“– Dizem que o tal homem virou pássaro porque tinha medo dos outros homens. Tinha medo de que se zangassem com ele nos dias de muito vento. É verdade que quando o vento cai pode ser muito perigoso. Mas o vento também faz coisas boas. O vento ajuda-nos a caçar. Os caçadores conseguem aproximar-se das gazelas, caminhando contra o vento, porque assim elas não sentem o seu cheiro, e não fogem. Além disso o vento espalha as sementes das árvores, e alivia o calor...” (AGUALUSA, 2006, p. 24)

A narrativa mostra o lado bom do vento às crianças, que ele não é um elemento apenas prejudicial ao homem. Kuan-Kuan emociona-se, e ao replicar desenrola-se o seguinte diálogo:

“– O vento também espalha as chamas dos incêndios...
– É verdade, concordou a mulher. O vento é como qualquer pessoa, tem seus dias. Culpa de quem?” (AGUALUSA, 2006, p. 25)

Com tal explicação a mulher deixa Kuan-Kuan encantado, e o conto traça uma bela analogia entre o comportamento humano e as leis da natureza.

Em seguida, a mulher descobre que Kuan-Kuan pode voar e pergunta-o se poderia levá-la até as estrelas, pois tinha o desejo de dormir entre elas:

“Kuan-Kuan abriu as asas e abraçou a mulher. No mesmo instante um grande golpe de vento varreu a savana. Nessa noite os primeiros homens viram surgir no céu o rosto iluminado da lua – era a namorada de Kuan-Kuan, dormindo feliz entre as estrelas.
Foi assim que nasceu o amor.” (AGUALUSA, 2006, p. 27)

Assim, o conto explica com lirismo como um satélite natural, no caso a lua, nasceu, e entre a afinidade de Kuan-Kuan e a mulher, surgiu o amor. Além de novamente apresentar a participação do homem nas origens dos fenômenos e aspectos do universo.

Conclusão

Na lenda dos bosquímanos, “O filho do vento”, apreendemos como o mito atua na sociedade, sendo fundamental nas regras de conduta de um determinado grupo. Recorrendo aos tempos primordiais da Criação, o mito procura explicar como o mundo é hoje, e ensina-nos como questões inerentes à condição humana surgiram. Apesar de apresentar justificativas sobrenaturais de como as coisas foram criadas, o que dá veracidade ao mito é a presença real do que foi relatado.

Por isto, é fundamental resgatarmos as lendas que vêm de tempos imemoriais para nos auxiliar na educação das crianças. Conduzindo-os a um mundo lúdico, metafórico e com valores sociais apresentados na sua essência.


BIBLIOGRAFIA:
AGUALUSA, José Eduardo. O filho do vento. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006.

LOPES, Nei. Kitábu – o livro do saber e do espírito negro-africanos. Rio de Janeiro: Senac, 2005.

INTERNET:
Sobre os bosquímanos, acessado em 14 de abril de 2008:
http://www.iict.pt/publicacoes/catalogo/pagpbl/vpbl03.asp?c_col=901&c_num=30

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