terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Breve panorama da arte brasileira no Paço Imperial e Centro Cultural Correios

Volpi, Contente, Ivens Machado, Edmílson Nunes, Victor Arruda, Auto-retratos do Brasil e Rubem Valentim: breve panorama da arte brasileira no Paço Imperial e Centro Cultural Correios

As exposições no Paço Imperial e Centro Cultural Correios, ambos no Rio de Janeiro, são uma oportunidade de termos uma amostragem dos caminhos percorridos pela arte brasileira no decorrer do século XX e início deste.

Comecemos pelo mais velho: Alfredo Volpi. A exposição consta com quase cinqüenta trabalhos da coleção Diógenes Paixão, que tem como característica a maioria das pinturas em pequeno formato – 24 x 33 cm –, mas que em nada diminui o lirismo e o encantamento proporcionado pelas telas de Volpi.

Estão lá as tradicionais bandeirinhas ilustradas nas fachadas, ogivas e marinhas. Impressiona-me como o artista recriou o tema no decorrer de sua longa trajetória, levando-se em conta que as pinturas da coleção de Paixão foram realizadas entre os anos de 1974 e 1984, época em que o colecionador adquiriu as obras, no auge da arte conceitual e na posterior retomada da pintura nos anos 80, com a Geração 80 carioca.

O que quero dizer é que Volpi manteve uma trajetória coerente, não se desprendendo do tema popular que elegeu como inspiração; suas bandeirinhas sempre estiveram presentes, mesmo quando flertou com a arte geométrica dos concretos e neoconcretos paulistas e cariocas nos anos 1950. Passou pela pop, minimal e todas as vanguardas surgidas na virada dos anos 1960/70. E Volpi não abandonou a pintura. Volpi não desprezou as suas populares bandeirinhas para embarcar nos discursos conceituais e/ou marxistas da época. Volpi permaneceu fiel às suas características. E foi nessa insistente pesquisa, fiel à têmpera também, que Alfredo Volpi construiu uma obra repleta de lirismo, suavidade e beleza, com uma diversificada paleta cromática, rara entre os pintores brasileiros, e tornou-se uma referência em nossa arte.

A mostra de Ivens Machado no primeiro andar do Paço, chamada “Acumulações”, choca-nos pela brutalidade dos materiais que formam suas esculturas. Esqueçam qualquer aparência naturalista ou expressionista caso dirijam-se a esta exposição. O caminho escultórico de Ivens Machado percorre outras trilhas que desconcentram olhares delicados em busca do belo.

Na contemplação incômoda de suas obras, não há como não recordar das imensas esculturas de Richard Serra que desafiam a gravidade e causam um estado permanente de desassossego no observador. Lembraremos, sobretudo, da arte povera italiana, em razão da união entre materiais industriais e o que consideramos resto, como pedras e carvão.

Em sua maioria, objetos do mundo industrializado são os materiais que formam suas obras. O artista usa cimento, madeiras, ferros, pedras, redes de aço, ou seja, materiais embrutecidos e de agressivo aspecto contidos em áreas demarcadas, pressionados, num estranho exercício de convivência, porém prevalecendo suas diferenças. Torna-se inevitável não pensar em choque, ou como muito bem expressa o crítico de arte Luiz Camilo Osório no catálogo da exposição:

“os materiais se juntam sem que se misturem; apostam no risco da convivência como se cada um deles fosse uma força contrária à adequação na unidade. Cada matéria mantém a sua personalidade, afirma sua diferença no contexto, na tensão e no abandono. As esculturas de Ivens na secura bruta dos materiais, recusam qualquer facilitação do apelo sensorial, tudo nelas é exterior e silencioso.”

É uma exposição que vale pela inquietação que tais obras nos apresentam: quietas, ásperas, rudes, monumentais. E confirmam o caminho singular traçado por Ivens Machado na escultura brasileira, tornando-o um importante artista em nossa arte.

Empolgo-me toda vez que sei de uma nova exposição de Carlos Contente. Recordo das primeiras impressões diante de suas carinhas carimbadas repetidas à exaustão por todos os lados no Parque Lage e nas ruas da Lapa. Lembro de discutir com a Ilana a semelhança com os hieróglifos urbanos do artista norte-americano Keith Haring, de intervir no espaço e tal.

Contente é um artista inquietante e faz da repetição de suas carinhas, que beira o infinito, uma de suas marcas registradas, além da fina ironia ao questionar os rumos e condutas adotados pela arte contemporânea, seus artistas, curadores, críticos e apreciadores.

Na exposição “Contente: autos-retratos também” deparamo-nos com um misto de intervenção/instalação carregado na sua cada vez melhor verve irônica. Paredes pichadas com suas “teorias” sobre arte, catálogo satirizando uma marca famosa e explicando sua origem, crítica à sociedade de consumo, caderninho de anotações, banco pichado... são tantas as referências em uma única sala... Ele cita explicitamente a “action painting”, movimento capitaneado por Jackson Pollock no pós-guerra, mas prefiro pensar nos grandes nomes dos anos 1980 do neo-expressionismo americano. Falo do já citado Keith Haring (inclusive com um caderninho do próprio) e seu amigo Jean-Michel Basquiat.

Uma sala toda ocupada com a arte inconformada, incômoda e inquietante de Contente. Uma exposição que mexe com o nosso senso diante de todo o escracho inteligente ilustrado. Para encerrar, um comentário do artista:

“E a partir do momento que comecei a pensar repetidamente no termo ‘arte agora’: mais tarde estaria associando à contemporaneidade.
Daí viria a desenvolver o termo ‘zoation painting’, ou ‘pintura de zoação’, em 2002. Uma referência à ‘action painting’, mas agregando novos elementos como a avacalhação e a alegria de viver.”

A mostra “Auto-retrato do Brasil” traz um imenso painel com cem auto-retratos de alguns dos principais nomes da arte contemporânea brasileira. Vale pela surpresa em identificar os artistas por seus traços e materiais característicos, como Beatriz Milhazes, Rubens Gerchman e Gianguido Bonfanti, ou pela surpreendente descoberta de que tal trabalho foi produzido por tal artista, como as telas de Daniel Senise e Antonio Manuel. É uma atividade lúdica e satisfatória diante da qualidade dos trabalhos apresentados. Além dos citados estão presentes Iole de Freitas, Luiz Zerbini, Antonio Tostes, Amílcar de Castro, Siron Franco, Carlos Vergara, Cabelo, Tomie Ohtake e tantos outros significativos nomes.

É gratificante quando entramos em uma sala e percebemos a força e constante renovação da pintura no decorrer de tantos séculos de atividade, em um mundo infestado por imagens que se renovam a cada instante. Esta alegria de ver ótima pintura é o que motiva e obriga a visita à exposição “Pinturas extemporâneas”, de Victor Arruda.

Contemporâneo da “Geração 80”, geração que afirmou pela milésima vez a vitalidade da pintura, Arruda apresenta telas em grande formato com grande riqueza temática e várias referências às vanguardas que movimentaram o século XX.

Na primeira sala vemos quatro telas em reduzida paleta de cores, com predomínio do preto, branco e cinza, além da impactante citação à pop art, à solidão humana, e ao surrealismo, prestando tributo ao célebre trabalho de René Magritte, “Golconda”, aquela das figuras humanas suspensas no espaço.

As obras seguintes apresentam-nos um expressionismo voraz, gestualidade visceral, intensas cores e erotismo, carregadas em ironia e referências a grandes artistas e movimentos artísticos, como Picasso e o cubismo, Tarsila do Amaral, Marc Chagall e o neo-expressionismo dos anos 1980. Uma exposição obrigatória.

Já a mostra “Céu”, de Edmílson Nunes, encanta pela delicadeza, lirismo e sensibilidade do artista em lidar com panos sensíveis (alguns espalhafatosos), pintura e texto. Trabalhos que teriam tudo para tender ao kitsch em mãos menos habilidosas, apesar de manter um diálogo escancarado com ele. Entretanto, Edmílson Nunes é um artista experimentado, navega por tal caminho há anos, e não cairia nas armadilhas que porventura poderiam aparecer na confecção de suas obras. São trabalhos que levam os olhos a alçar vôos na magia proporcionada por tão singelas que são.

Ah! Nunes comparece com um belo trabalho na fraca exposição “A imagem do som do samba”, também no Paço Imperial, baseado na música “Coisinha do pai”, de Jorge Aragão. O artista optou pela ironia cheia de erotismo e aproximação com o kitsch.

Enquanto isso, caminhando um pouquinho até o Centro Cultural Correios, encontramos uma retrospectiva de Rubem Valentim. Com mais de cem peças, a exposição além de passar por várias fases do artista, ainda propõe diálogos entre a obra de Valentim e trabalhos de artistas como Pierre Verger e Alfredo Volpi. É exposição de altíssima qualidade, de um artista que soube universalizar os elementos da religiosidade afro-brasileira em um inovador diálogo com o construtivismo. Rubem Valentim é um dos melhores do século XX. Referência obrigatória.

Bom, as dicas foram dadas. Rubem Valentim ficará no Centro Cultural Correios até o dia 10 de fevereiro e as mostras do Paço Imperial ficarão até 24 de fevereiro.

Abraço,
Riso

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